sábado, 28 de março de 2020

O silêncio...as ruas estão silenciosas...impera o som mudo..o bicho, silenciosamente, foi entrando sem pedir e, tal como a morte é silenciosa, fez-nos calar. Mas a vida..a vida não é silêncio: é cor, magia, alegria, felicidade, bem estar. O som do silêncio lá fora torna-se ensurdecedor. Apela à mudança: mudança em estar, em ser, em viver a vida, não a vida, mas a V I D A. E relembra-nos a ideia de liberdade, quiçá a melhor noção que este país já teve sobre liberdade e que tanto custou a construí-la. A liberdade começa em nós, em cuidarmos de nós e só assim podemos cuidar dos outros. É um trabalho individual para que o coletivo usufrua. É liberdade saber que o usufruir de tudo o que o mundo nos oferece deve ser feito com cautela e precaução para que não voltemos a, temporariamente, perdê-la. E é possível viver a liberdade? É possível mudar? Sim. A ambas as perguntas respondo sim. Quando israelitas e palestinianos trabalham em conjunto, cooperam, entreajudam-se com alimentos, equipamento médico e tudo o que é necessário, vemos que basta a união contra o mal que ataca a todos, sem credo político, económico ou religioso. Ataca judeus, cristãos, islâmicos...no Médio Oriente perceberam isto, sem recorrerem a acordos, negociações, cessar fogos..bastou dar a mão ao outro e trabalharem em conjunto. A mudança faz-se...basta apenas querer e fazer por isso. Não é o bicho que vai vencer, vai ser controlado e nós vamos, finalmente, V I V E R 😊

segunda-feira, 23 de março de 2020

Mais um pensamento:
Esta semana, estes dias, estas horas e minutos, no meio de aulas a partir de casa, com trabalho a ser preparado, avaliações a serem produzidas, crianças a exigirem liberdade, ainda tenho tido tempo para filosofar. Filosofar e pensar são ações que a humanidade, graças a esta doença, a este bicho (como diria António Feio) recuperou. Tenho pensado no tempo...o tempo. Definição tão abstrata e tão castradora, ao mesmo tempo, era algo que o Homem do século XXI julgava ter controlado. Podíamos adiar para depois, fazer para a semana, preparar no próximo mês, irmos visitar aquele familiar lá para o verão...pensávamos que a encruzilhada da vida permitia virar à direita e lá para o meio do caminho, caso a coisa corresse mal, poderíamos criar um atalho e irmos ver o caminho da esquerda. Apenas experimentar. O bicho veio e apanhou-nos a todos assim...desprevenidos, desatentos, desapegados, egocêntricos e individualistas. Misteriosos são os desígnios de quem quer que seja..mas agora, aqui enclausurados, no nosso espaço mais íntimo, que é nosso e onde nos sentimos confortáveis e livres, estamos presos, um pouco como Joseph K. sem culpa formada. Ansiamos pela liberdade, aquela ânsia que os capitães de abril devem ter sentido ao ver passar os minutos de 24 para 25 de abril de 1974. Nós contamos os minutos para podermos ter a liberdade de encontrar a rua, o espaço, o convívio. Creio que o faremos de maneira bem diferente. Creio convictamente. Tal como sei que irei aproveitar o tempo, os minutos, os segundos e as horas. Sei. Sei que não devemos deixar nada por dizer, nem nada por fazer. Os flashes da vida devem ser capturados, não sendo os flashes das máquinas que capturam o real. O real fazêmo-lo nós. Ou aproveitamos agora ou arrepender-nos-emos, mais uma vez, do que não foi feito, nem construído. Deixam de existir hipóteses de construirmos atalhos. Apenas resta a hipótese de seguir um só caminho: o coração.
Os dias passam e as notícias oficiais não nos dão números animadores..o nosso presidente afirmou, naquela que terá sido, certamente, a declaração mais dura, difícil e emotiva de todo o seu mandato, que o nosso país tem já nove séculos de existência e resistiu a muito. Sim, é verdade. Resistiu aos castelhanos, mouros e romanos. Com 30.000 derrotou um número dez vezes maior, em Aljubarrota, com arte e engenho. Pegou em caravelas e naus e partiu rumo ao desconhecido, no meio do atlântico, revolvendo os mares durante décadas até chegarmos à Índia. Enfrentamos hipotéticos monstros e correntes marítimas, derrotamos ventos e tempestades. Derrotamos a peste negra. Afastamos os espanhóis em 1640 e enfrentamos anos de conflitos. Derrotamos por três vezes Napoleão. Conquistamos o Euro 2016. O que há de comum em tudo isto? Enfrentámos o medo de frente, olhos nos olhos, levantámos a cabeça e fomos à luta. Neste momento, existe um gigante maior e mais tenebroso que o Adamastor, mas contra ele marcham 11 milhões! Vamos vencer!
As épocas de crise, como o próprio termo designa, transportam consigo graves consequências; contudo, também deveriam ser encaradas como objeto e matéria de reflexão e, até, de aprendizagem. O século XXI trouxe à sociedade um novo paradigma de terror, de medo e de fobia, acrescentando uma acentuada descrença no futuro. Lembro-me do dia 11 de setembro de 2001. Recordo-me do que estava a fazer quando vimos, em direto, o embate de um avião numa das torres gémeas, em Nova Iorque. Observámos a morte em direto, vimos o horror e o medo a poderem bater às nossas portas. Algumas (muitas) das imensas vítimas do 11 de setembro, prevendo a sua morte, ligaram aos seus familiares com mensagens de amor, carinho, ternura..bastaram segundos para se ouvir um perdão, uma desculpa..por breves instantes, houve um pingo da pureza entre seres humanos. Agora, em 2020, enfrentamos um inimigo silencioso, tenebroso, diferente dos terroristas de Londres, Paris, Bruxelas ou Barcelona. Um inimigo que não grita, não acelera, não se explode: a doença, o vírus, a infeção e a epidemia. Este inimigo transporta o medo, o pânico e a loucura sociais. Traz consigo o desespero. Acarreta a incerteza. Mas haja fé. Fé na ciência, nos profissionais que tudo dão em prol dos outros. A natureza tem desígnios misteriosos. Os últimos dados apontam para um elevado decréscimo nos níveis de gases poluentes na atmosfera. Em casa, isolados socialmente, aproximam-se famílias, pais e filhos. Desejamos rever bem, com toda a força e convicção, os nossos parentes. Não deixamos para amanhã aquele telefonema inadiável. Não deixamos de dar aquele gesto de conforto, aquele gesto que, muitas vezes, achamos que podemos dar no dia seguinte ou na próxima semana. Percebemos que o fim pode chegar. Queremos defender os nossos, não como nos EUA, com o esgotar de munições, mas sim com o querer ter alimentos em casa (o papel higiénico é a grande incógnita da equação). Percebemos que nada é infinito e eterno. A tempestade há-de passar e, acredito plenamente, que a humanidade que sairá desta crise, será diferente. Diferente para melhor? Não sei. Mas tal dependerá, sempre, das lições que tirarmos destes dias e semanas e meses..a crise de valores que tanto se apregoa poderá ganhar, com estes tempos, o seu antivírus.