segunda-feira, 23 de março de 2020

Mais um pensamento:
Esta semana, estes dias, estas horas e minutos, no meio de aulas a partir de casa, com trabalho a ser preparado, avaliações a serem produzidas, crianças a exigirem liberdade, ainda tenho tido tempo para filosofar. Filosofar e pensar são ações que a humanidade, graças a esta doença, a este bicho (como diria António Feio) recuperou. Tenho pensado no tempo...o tempo. Definição tão abstrata e tão castradora, ao mesmo tempo, era algo que o Homem do século XXI julgava ter controlado. Podíamos adiar para depois, fazer para a semana, preparar no próximo mês, irmos visitar aquele familiar lá para o verão...pensávamos que a encruzilhada da vida permitia virar à direita e lá para o meio do caminho, caso a coisa corresse mal, poderíamos criar um atalho e irmos ver o caminho da esquerda. Apenas experimentar. O bicho veio e apanhou-nos a todos assim...desprevenidos, desatentos, desapegados, egocêntricos e individualistas. Misteriosos são os desígnios de quem quer que seja..mas agora, aqui enclausurados, no nosso espaço mais íntimo, que é nosso e onde nos sentimos confortáveis e livres, estamos presos, um pouco como Joseph K. sem culpa formada. Ansiamos pela liberdade, aquela ânsia que os capitães de abril devem ter sentido ao ver passar os minutos de 24 para 25 de abril de 1974. Nós contamos os minutos para podermos ter a liberdade de encontrar a rua, o espaço, o convívio. Creio que o faremos de maneira bem diferente. Creio convictamente. Tal como sei que irei aproveitar o tempo, os minutos, os segundos e as horas. Sei. Sei que não devemos deixar nada por dizer, nem nada por fazer. Os flashes da vida devem ser capturados, não sendo os flashes das máquinas que capturam o real. O real fazêmo-lo nós. Ou aproveitamos agora ou arrepender-nos-emos, mais uma vez, do que não foi feito, nem construído. Deixam de existir hipóteses de construirmos atalhos. Apenas resta a hipótese de seguir um só caminho: o coração.

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